Expectativas Extravagantes

Autor: Lance Strate Tradução: Cleiton Lima Texto original: https://blogs.timesofisrael.com/extravagant-expectations/

Americanos sofrem de expectativas extravagantes. Esse foi o argumento de Daniel J. Boorstin em seu livro The Image, publicado pela primeira vez nos EUA em 1961. Professor de História na Universidade de Chicago nesse período, Boorstin foi indicado pelo Presidente Gerald Ford como 12º Bibliotecário do Congresso Norte-americano, ficando no cargo entre 1975 e 1987.

No caso de você estar se perguntando, não, o Bibliotecário do Congresso não verifica os livros ou coleta as multas por atrasos na devolução das obras. A posição é semelhante a de um poeta americano premiado; é, de fato, ser nomeado como o líder intelectual da nação.

O argumento de Boorstin foi que, “nós usamos nossas riquezas, nosso letramento, nossa tecnologia, e nosso progresso, para criar a moita de irrealidade que se coloca entre nós e os fatos da vida… para nos confundir e enevoar nossa experiência.” Ele explicou que “nós somos governados por expectativas extravagantes… em relação ao que o mundo possui… [e] de nosso poder de modelar o mundo.”

Boorstin acreditava que o problema estava enraizado em nossa habilidade de criar falsas realidades através de nossas mídias e tecnologias, e através de técnicas como publicidade e relações públicas. Consequentemente, nós permitimos que o “Sonho Americano” fosse eclipsado pelas “Ilusões Americanas”. Nós substituímos eventos reais por pseudo-eventos (termo criado por ele), heróis por celebridades, viagens por turismo, formas por sombras, ideais por imagens.

A crítica cultural conservadora de Boorstin vem a mente nesses dias porque nós estamos mais afundados na negação da realidade do que jamais estivemos. E isso não é mais aparente em outro lugar do que em nossa resposta à pandemia, a sua enorme ameaça à perda de vidas que ela ameaça e isso já aconteceu.

Ao redor do Estados Unidos, estudantes estão sendo enviados de volta para a escola apesar do fato que o vírus da COVID-19 é altamente contagioso e se encontra longe de estar sobre controle. Nós, de alguma forma, acreditamos que prédios, salas de aula, e dormitórios que nunca foram projetados para o distanciamento social, ou até para boa ventilação, e que escolas mal financiadas e com manutenção precária antes de tudo isso começar, de alguma forma se transformarão em ambientes seguros para o aprendizado presencial.

Nós de alguma forma acreditamos que crianças pequenas que foram mantidas em relativo isolamento nos últimos seis meses estarão imunes à doença uma vez que forem reunidas com seus pares, e que elas não levarão o vírus de volta para casa com elas, apesar da maneira que elas compartilham cada tosse, gripe, dor de garganta e resfriado com seus familiares.

Nós de alguma forma acreditamos que as crianças usarão máscaras e manterão o distanciamento entre si, quando nós não conseguimos convencer nem os adultos a fazê-lo.

Nós de alguma forma acreditamos que jovens não sucumbirão à pressão de seus pares. Que, uma vez expostos ou começando a manifestar os sintomas, as crianças admitirão livremente para seus pares sob o risco de serem marcados como se tivessem piolhos. Que crianças apenas não confiarão em seus amigos e colegas de classe quando disserem que estão ok, que não estão doentes, que não foram expostos ao vírus, que não são contagiosos.

Nós de alguma forma acreditamos que adolescentes e jovens irão contra sua natureza e se engajarão no distanciamento social e no limite de contato. Que eles não cederão ao desejo de contato social e recreativo. Um colega meu em uma universidade de outra área metropolitana de Nova Iorque, onde o plano é de reabrir para o semestre de outono, confidenciou que a faculdade tem um bolão de apostas para ver quem acerta quão cedo eles precisarão fechar novamente. Uma boa aposta diz que em poucas semanas.

Ao invés de encarar a realidade, e concentrar tempo, dinheiro e esforços em oferecer a melhor educação remota possível enquanto durar a crise, escolas da educação infantil até a universidade estão tentando proteger suas apostas com planos mal pensados de “flexibilização” e aprendizado “híbrido”. E eles estão colocando a responsabilidade nos professores para se prepararem para múltiplas contingências, para mudar e adaptar na hora, e incrivelmente, de alguma forma prevenir que o vírus se espalhe e se manterem saudáveis eles próprios – algo em que os profissionais da saúde em si não tiveram completo sucesso.

Há muito tempo nós depositamos os problemas sociais na escola, exigindo que ela lidasse com fatos como dependência e uso de drogas, gravidez na adolescência, abuso infantil, má nutrição/fome, e problemas mentais. Professores que são sistematicamente mal pagos, sobrecarregados, e desrespeitados são encarregados de resolver – ou melhor, obrigados a resolver – todos os problemas que famílias e comunidades têm abdicado de resolver. Por que não acrescentar mais obrigações?

Nossa negação da realidade em relação as nossas escolas está ligada ao desejo profundo de que as coisas voltem ao normal. Crianças precisam estar na escola para que pais possam voltar ao trabalho. Como se escritórios e locais de trabalho subitamente se tornassem seguros, ambientes livres de vírus. E que a doença não se espalharia com pessoas viajando para lá e para cá, muitas usando ônibus e trens.

Nós fantasiamos que de alguma forma a atividade econômica simplesmente será retomada, e que tudo será novamente como era. Que todos os empregos que foram perdidos de alguma forma ainda estarão lá. Que a recuperação será instantânea, em um estalar de dedos.

Nós acreditamos que de alguma forma podemos abrir nossos bares, e que sob a influência do álcool as pessoas continuarão se comportando com responsabilidade. Nós acreditamos que podemos retornar seguramente à jantares em locais fechados e entretenimento sem o medo de aumentar a taxa de infecção. Nós acreditamos que podemos ter eventos esportivos porque os atletas são especialmente fortes e saudáveis e por isso resistentes a doença. Coletivamente, nós estamos vivendo em um constante estado de negação.

Nós acreditamos que a cura será encontrada rapidamente e facilmente – apesar de nós ainda precisarmos encontrar a cura para o câncer, para a AIDS, para o autismo, e até para a gripe comum. Nós estamos sempre procurando pela pílula mágica, ou dose, ou cubo de açúcar. Nós esperamos resultados instantâneos, um fluxo constante de milagres, esquecendo quanto tempo e quão difícil foi encontrar vacinas para a pólio, varíola, e outras doenças. Ou quão limitada é a eficácia da vacina anual da gripe que nos é disponibilizada. E o pior tipo de irrealidade é a ridícula afirmação que o coronavírus de alguma forma, como em um passe de mágica, desaparecerá.

Expectativas extravagantes! Como explicar de outra forma a negação insana da realidade em face da pandemia? Nós nos agarramos às nossas ilusões e desilusões ao invés de admitirmos que devemos fazer sacrifícios agora, e por um longo período pela frente. Nós negamos a realidade ao invés de buscarmos a coragem e a visão para encarar os fatos e agirmos apropriadamente.

Expectativas extravagantes! De nossa capacidade de lidar com a mudança climática. Que de alguma forma, de alguma maneira, quando as coisas se tornarem realmente ruins, nós pensaremos em uma maneira de resolver o problema. Bem, não exatamente nós. Mas alguém. Nós negamos a realidade de que já é muito tarde para impedir, que tudo o que nós podemos fazer é tentar mitigar as consequências de nossos atos irresponsáveis.

Expectativas extravagantes! De que nós podemos cortar impostos e balancear o orçamento. De que nós podemos cortar impostos e consertar nossa infraestrutura decadente. De que nós podemos cortar impostos e oferecer serviços essenciais. De que nós podemos cortar impostos e oferecer cuidados médicos adequados para todos. De que nós podemos cortar impostos e manter a seguridade social. De que nós podemos cortar impostos e que isso não resultará nos ricos ficarem mais ricos e os pobres ainda mais pobres.

Expectativas extravagantes! De que nós podemos militarizar nossa polícia enquanto exigimos que ela haja com moderação e sensibilidade. De que nós podemos combater o terrorismo e manter as liberdades civis. De que nós podemos ter justiça sem reforma.

Expectativas extravagantes! De que a democracia é fácil, de que até funciona automaticamente. De que ela não necessita de esforços. De que ela não precisa de comprometimento. De que ela não vem com um preço.

Nossa nação precisa de uma liderança enraizada na realidade, não na fantasia e na realização de desejos. Tragicamente, nós temos um presidente que é uma celebridade, não um líder. Ele conquistou essa posição através de nenhuma qualificação e conquista além da habilidade com publicidade, e um personagem construído com a ajuda de Mark Burnett, produtor da versão norte-americana de “O Aprendiz”. Boorstin definiu a celebridade como “uma pessoa reconhecida por sua notoriedade,” alguém “fabricado com o propósito de satisfazer nossas expectativas exageradas de grandeza humana,” alguém que representa “uma nova categoria de vazio humano”.

Vazio humano. Isso é tudo que nos restará se continuarmos nos agarrando à nossas expectativas extravagantes. Se não dispersarmos a névoa de fantasia e ilusão que nos envolve. Se falharmos em reconhecer que sempre precisaremos nos ajustar e trabalhar com as restrições que nos são impostas pelo nosso ambiente. Que a verdadeira grandeza não vem da negação da realidade e do apego a imagem ao invés da matéria, mas da dedicação, do trabalho, e do sacrifício que é nos é requisitado em nosso tempo.

O “Sonho Americano” deu lugar ao “Pesadelo Americano”, e para despertar nós precisamos substituir nossas expectativas extravagantes com aspiração realísticas. E nós precisamos fazer isso agora.

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