Resenha: Antes que o café esfrie
“E você, quem gostaria de encontrar, uma única e última vez, se fosse possível viajar no tempo? Um grande amor, um filho, um irmão, um amigo... Para quem gostaria de dizer algumas derradeiras palavras, ou mesmo o que nunca foi dito? Para alguém que já se foi? Ou que está por vir? O que gostaria de ouvir daquela pessoa que tanto lhe faz falta? Quais sentimentos, presos na garganta, viriam à tona? Viajar para se redimir? Para se desculpar? Para agradecer? Para corrigir algo? Para chorar até curar o coração? Para entender o presente? Para dizer certas verdades? Para descobrir o porquê? Para poder seguir em frente.”
Poucos livros me encorajam a sentar e escrever. O último foi “Uma Centena de Flores” no já longínquo 2018. A premissa da história é relativamente simples: uma cafeteria japonesa que serve um café capaz de te fazer viajar no tempo. Rapidamente se transformou em lenda urbana, atraiu multidões, que rapidamente se desinteressaram ao visitar e descobrir os detalhes. Existem regras. E essas regras são rígidas, limitantes inclusive daquilo que qualquer pessoa esperaria de uma viagem no tempo.
Aqui em casa nós temos o costume muito antigo de perguntar a pessoa o que ela quer de presente. Ou simplesmente levar a pessoa no shopping ou onde ela quiser para ela escolher e a outra pessoa simplesmente embalar. Até minha sobrinha de três anos já desencanou da história do idoso branco que invade residências na noite de Natal para deixar presentes. Tomei um esporro da criança totalmente de graça faz umas semanas quando tentei emplacar a história de que Papai Noel traria os presentes dela.
“Papai Noel nada, Dindo. Quem comprou foi você e a Vovó. Onde estão os presentes, hein?”
Então, mesmo desanimado inicialmente em ganhar livros, quando meus pais pediram para eu escolher alguma coisa até X valor na internet para ganhar de Natal, eu fui pesquisar... livros. Pela primeira vez em alguns anos não quis nada acadêmico. Queria literatura. Foi aí que esbarrei com esse livro.
Ele é adaptado de uma peça teatral escrita pelo autor e publicado em forma de livro. A tradução foi feita por Priscila Catão não diretamente do idioma original, mas da tradução para a língua inglesa. Acho que a única perda foi na definição da entidade que a moça que fica presa no café se tornou, não chega a ser prejudicial para a leitura.
O livro é dividido em quatro capítulos, quatro histórias que estão entrelaçadas, então não recomendo a leitura aleatória, melhor seguir linearmente mesmo. O estilo de escrita do autor é bem direto, sem muita enrolação ou invenção, algo que particularmente eu gosto. Apesar da simplicidade, a história te prende bastante. Foi o primeiro livro que li em menos de um dia.
O primeiro capítulo dá as regras da viagem no tempo, impõe todas as limitações, mostrando porque o lugar vive basicamente vazio apesar da capacidade chamativa de proporcionar viagens no tempo. Você vai compartilhando a frustração da Fumiko ao ouvir tudo o que ela não podia fazer e todas as “limitações técnicas” da viagem. Mas ali, a partir do desenrolar da história dela, você vai compreendendo qual é o público-alvo das viagens proporcionadas pelo Café Funiculì Funiculà. E isso me pegou demais com a história do último capítulo, principalmente, mas a verdade é que todos os capítulos me bateram forte, talvez exceto o primeiro.
É aquele tipo de livro que dá vontade de pegar a mão do autor e dizer: volta aqui, não vai embora, não, conta mais umas histórias. Vamos beber um café.
Ficha Técnica Título: Antes que o Café Esfrie Autor: Toshikazu Kawaguchi Tradução: Priscila Catão Editora Valentina 208 páginas Data de lançamento: 2022