Transdisciplinaridade e tecnologia: uma possível saída?
Estou chegando no fim do primeiro ano de doutorado. Antes dele, vieram um ano e meio de pesquisa para a monografia durante a graduação e dois ano de pesquisa no mestrado, sempre trabalhando o tema de tecnologia e educação. Inicialmente abordando mais a questão das mídias digitais, depois focando mais na relação das Big Techs com a educação, chegando ao ponto atual de uma pesquisa mais voltada para discursos sobre usos de técnicas de inteligência artificial na educação e como se encaixam no discurso mais amplo sobre educação e trabalho do professor.
Pois bem, sempre que eu falo que pesquiso tecnologia e, pior ainda, quando especifico que vou tratar de questões sobre inteligência artificial, automaticamente meus pares dentro da academia decidem que eu vou praticar algum tipo de magia ocultista tecnofuturista muito complexa e difícil de entender para as mentes mortais. Dificilmente estou com energia, eu confesso, para explicar detalhadamente a metodologia que estou usando, a minha abordagem teórica e tudo mais. É mais cômodo ser o ocultista da tech perdido na educação do que ser o palestrinha exibido, mesmo que muitas vezes a palestra fosse necessária.
É uma realidade triste porque, no meu entender, revela uma falha de formação generalizada no campo das Ciências Humanas: a gente não estuda tecnologia. Pelo menos, não de forma suficiente. Menos ainda de forma não-utilitarista, romantizada ou demonizada. Parece um acordo tácito que tecnologia seja problema do pessoal estranho que circula pelos campus das ciências exatas (e dos quais não devemos nos aproximar!). Sem disciplinas que trabalhem especificamente sobre uma visão filosófica e sociológica do tema ou uma visão da tecnologia como algo transdisciplinar nos currículos (e que seja cumprido, não seja mais tinta num papel engavetado e cheio de poeira), a ideologia neoliberal nada de braçada.
Quando discutir o tema com as pessoas é inevitável ou uma escolha minha, tento sempre falar do tema aproximando com a realidade dos professores, que são meus colegas de curso, meus professores na universidade ou estudantes que em breve serão professores. Tento sempre mostrar que, sim, eles já pesquisam sobre o tema. Talvez não com aquela cara, não com aquele nome, daquele jeito, mas pesquisam. Eles e elas entendem o que eu tô pesquisando, só não estão acostumados com – ou foram inseridos na – formação discursiva que eu utilizo.
Meu referencial sobre educação não tem nada de inovador. Uso sempre Paulo Freire, Vera Candau, Luckesi, os trabalhos da minha própria orientadora. Não reinvento a roda. Nem quero reinventar. Todos são autores que as pessoas na área da educação já leram e releram até quase decorar. Até trechos mais famosos virarem tatuagem de gosto duvidoso em seus corpos. E é muito comum em algum ponto da conversa eu escutar um “ah, então é isso que você pesquisa?” com expressão entre a surpresa e a felicidade por compreender. Nunca me sinto subestimado quando me falam isso. Na verdade, me deixa feliz. Normalmente se segue um diálogo animado sobre como isso já afeta de alguma forma a rotina pessoal ou profissional da pessoa.
A ideia aqui não é me gabar, mas levantar a discussão de que tecnologia é, sim, tema para as Ciências Humanas. Acredito que as soluções para os problemas de vieses e violências mediadas pelos algoritmos só tem esperança de resolução com um movimento transdisciplinar. Nem só o pessoal das Exatas, nem só o pessoal de Humanas: o potencial de uma série de pessoas que transitem com um mínimo de desenvoltura entre os dois campos. A troca da visão de duas caixas separadas disciplinarmente, para uma outra, de campos complexos que em diversos pontos se tocam e se beneficiam mutuamente dessas trocas.